Recue uns 40 ou 50 anos e imagine-se, como mulher, a viver nos anos do Portugal do Estado Novo. Nesse passado não tão longínquo, as mulheres casadas não podiam ausentar-se do país sem autorização escrita do marido e as enfermeiras não podiam casar. A gestão dos bens do casal, incluindo da mulher, pertenciam ao marido e numerosas profissões estavam legalmente vedadas às mulheres.
Hoje os tempos são outros e, comparativamente, a situação da mulher melhorou muito, mesmo que ainda haja muito a fazer culturalmente. As mulheres são mais independentes, têm mais direitos e liberdades, formam-se em maior número nas universidades, distinguem-se em diversas profissões e ascendem a lugares de adminstração ou cargos politicos.
Com estas mudanças, teriamos, assim, muitos motivos para ter elevados índices de felicidade nas mulheres, mas paradoxalmente tal não acontece. Segundo alguns estudos* de referência, desde a década de 70 que o nível geral de felicidade da mulher nos EUA e na Europa, tende a cair e acentua-se à medida que a mulher avança na idade, contrariamente ao do homem. Em Portugal, as mulheres trabalham mais e dormem menos, as doenças associadas ao estilo de vida e ao stress, assim como o consumo de tabaco e anti-depressivos tendem a aumentar.
O que aconteceu?
Podemos associar vários factores que comprometem a saúde e o bem-estar da mulher, tais como factores biológicos mais propensos à depressão, a sobrecarga de trabalho resultante da desigualdade na distribuição das tarefas domésticas e responsabilidades familiares, o dilema carreira – familia, as exigências da educação dos filhos na sociedade actual, a pressão cultural para corresponder a padrões de beleza e de desempenho irrealistas, entre outros.
Mas quando falamos de felicidade existem outras variáveis a considerar. Na perspectiva do psicólogo e investigator Martin Seligman, pioneiro da Psicologia Positiva, a felicidade é medida pela regularidade de emoções positivas que uma pessoa experiencia, pela qualidade das relações que fazem parte da sua vida, pela concretização de objectivos significativos, pelo grau de envolvimento e gratificação no trabalho e pelo sentido que dá à sua vida, geralmente associado a um sentido de missão através da religião ou de uma filosofia espiritual e serviço ao próximo.
Na prática, e aplicando à mulher actual, estamos a falar de atitudes, valores e comportamentos. Ou seja, o conceito que tem de si própria, a forma como define sucesso e fracasso, belo e feio, suficiente e insuficiente e como vive o dever e o prazer. Falamos da relação que desenvolve com o seu corpo, respectivas necessidades e limites, com as suas emoções, se reprime a raiva, disfarça a tristeza ou martiriza-se pela culpa; referimo-nos às capacidades, dons e talentos que são ou não utilizados; à importância das amizades e da intimidade, à qualidade de tempo que investe nas relações vitais e à quantidade de tempo que desperdiça nas relações disfuncionais; falamos dos objectivos que quer realizar na sua vida e do risco e determinação que envolve concretizá-los, do legado que quer deixar e do sentido de vida que quer dar.
Hoje a mulher tem mais oportunidades e opções. As leis e as políticas ajudam mas não fazem o caminho da felicidade por ela. Super-mulheres que tudo podem e tudo conseguem, princesas que precisam de ser salvas por príncipes e beleza que não envelhece, são mitos que fazem mal à felicidade.
Gloria Steinmen, escritora, jornalista e conhecida femininista americana disse, com muito sentido, que o futuro da mulher está em deixar de fazer tudo: “nós mulheres sabemos que conseguimos fazer o que os homens fazem, mas ainda não sabemos que os homens podem fazer o que as mulheres fazem, e isso é fundamental não se pode continuar a fazer os dois trabalhos.”
A fada do lar provou que pode deixar de ser a vítima mas transformou-se num super – heroi. Talvez agora tenha chegado a hora de simplesmente ser pessoa…
Texto escrito por Paula Serpa – Terapeuta, Coach e Formadora, responsável pelo projecto Ser Pessoa – paula.serpa@serpessoa.com
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Fontes: * the United States General Social Survey (46,000 people, between 1972-2007); * the Eurobarometer analysis (636,000 people, between 1973-2002, covering fifteen countries),*and the International Social Survey Program (97,462 people, between1991-2001, covering thirty-five developed countries.)