Oiço e vejo nas notícias, o compreensível desejo de regressarmos – o mais depressa possível – à normalidade. Mas pergunto, que “normalidade” querem e se referem?
Estamos a viver um momento único, uma espécie de revolução, com impactos em todos os níveis: global, nacional, organizacional, relacional, familiar e individual. Do macro ao micro, do público ao privado. As mudanças provocadas por esta pandemia, estão a ter efeitos na saúde e na economia, na forma como trabalhamos e organizamos o nosso sustento, como nos relacionamos com o outro, com a natureza e o espaço em que habitamos, como consumimos e participamos enquanto cidadãos.
Esta crise, mesmo que temporária e sem um fim à vista, não vai ser uma realidade passageira que fica suspensa entre um Antes e Depois, da qual saímos inalterados. É um continuum, uma tempestade! Não há como resisti-la nem negá-la. E daí não termos outra hipótese senão aprender a navegá-la, ajustando as velas e procurando um sentido.
As prioridades mudaram! O melhor e o pior, as fraquezas e as resiliências – de cada um de nós, de cada sistema, cultura e de cada país – estão a ser reveladas e testadas.
Com mudanças tão inesperadas, rápidas e disruptivas, o stress, o medo e a raiva, são inevitáveis. O processo de adaptação a esta nova realidade, marcada por elevada incerteza e risco, exige resiliência. Vai ser uma maratona e não um sprint. Numa primeira fase, o foco tem-se centrado na emergência e na sobrevivência. De seguida virão outras necessidades associadas à saúde mental e ao bem-estar social, que também terão de ser atendidas. Seres humanos, demasiado tempo isolados ou confinados em casa, sem sol suficiente, sem liberdade, sem proximidade física afetiva, em risco de ruína financeira, sem hábitos, rotinas ou comportamentos saudáveis, também adoecem.
Claro que queremos regressar à normalidade livre desta ameaça, de não termos de estar constantemente obcecados com as mãos nem com a desinfeção de tudo e mais alguma coisa; de poder entrar e sair livremente de casa ou viajar; poder contar com trabalho e meios para pagar as contas e poder abraçar sem ameaçar a saúde do outro. Mas se formos honestos conosco próprios sabemos que muitas “normalidades” anteriores, quer pessoais quer nacionais, eram insustentáveis e questionáveis.
As crises fazem parte da história da humanidade e da natureza. Nunca vão deixar de de ocorrer, não sabemos é quando e não gostamos que aconteçam no nosso tempo. Mas se olharmos para elas, vemos a importância de aprender com elas e como foram ultrapassadas. Elas têm tanto de perigo como de oportunidade, de destruição como de criação e renovação, se forem bem geridas. Podem ser o berço da inovação, da criatividade, de novas possibilidades em que o engenho do ser humano encontra caminhos nunca imaginados.
Enquanto estamos a vivê-la, não tenhamos medo de nos deixar afectar pelo significado das emoções, das mudanças e pelo exercício da reflexão. Tenhamos coragem!
Podemos desenvolver uma certa humildade ao vermos a nossa verdadeira dimensão e vulnerabilidade perante a natureza que não tem dificuldade em nos colocar no devido lugar; podemos ensinar aos nossos filhos como a resiliência é, e sempre será, mais importante do que a felicidade imediata; podemos perceber a importância da cooperação e do coletivo numa era de individualismos; realizar que precisamos de um Estado Social bem gerido e de colocar o valor “Bem Comum” a nortear o debate público; reconhecer que precisamos de confiar na ciência e não em modas e peseudociências; que são as pessoas comuns que estão a cuidar de nós e a escrever a história como afirmou o Papa Francisco; e que 500€ para retiros de 3 dias com gurus famosos não nos dão a exigida disciplina espiritual para aprender com a reclusão e conectarmo-nos com um propósito maior. Perante o real risco de vida, não temos o luxo de deixar assuntos mal resolvidos, de adiar gestos, nem afetos. Assim como não nos devemos demorar onde não há condições para continuar. E para a auto-comiseração, nada como a gratidão! Muitos de nós estão em quarentena no conforto do lar, com frigorífico cheio, água, internet, netflix, livros, etc, etc… Estamos todos no mesmo barco, mas uns estão melhores do que os outros.
Hibernar no nosso pequeno mundo – quando o mundo maior precisa de nós, para só depois acordar quando a tormenta passar, é como a criança que tapa os olhos para ser invisível. Não é possível regressarmos ao passado. Já estamos a criar novas realidades confinados nas nossa casas. Por isso, vamos criar novas normalidades, em cima da aprendizagem, porque nunca saberemos do que somos capazes até ao dia em que somos testados. Que a dor, as mortes, os custos e os sacrifícios que estamos a viver, não sejam em vão!
Autoria: Paula Serpa (30 de Março 2020)