
“A incerteza dos acontecimentos, é sempre mais difícil de suportar do que o próprio acontecimento.” (Jean-Baptiste Massillon)
Viver implica conviver com a incerteza. Muitas das nossas ações e escolhas – das mais simples às mais complexas – envolvem riscos e não conseguimos prever qual o seu impacto: mudar de trabalho, emigrar, assumir um amor ou terminar um casamento; investir num negócio sem garantias de sucesso, escolher um curso ou apresentar um trabalho e expor-nos à avaliação dos outros; comprar casa; submeter-se a um tratamento sem certeza de cura, entre outras. A não ser que consigamos ver o futuro ou ter uma bola de cristal, a incerteza é uma realidade inevitável. Racionalmente, compreendemos isso, mas o “não saber”, o não ter certezas sobre o que vai acontecer, é um lugar difícil de suportar, sobretudo quando o que estiver em questão, for de grande valor para nós.
Em “How Risky Is It, Really? Why Our Fears Don’t Always Match the Facts”, David Ropeik explica porque ficamos com medo quando não sabemos: “não saber é sinónimo de não possuir o conhecimento e os meios para nos protegermos, é a sensação de não ter controlo sobre o nosso destino. E quanto menos sabemos, mais ameaçados nos sentimos, porque significa falta de controlo sobre a nossa saúde e segurança.” Para termos mais controlo, procuramos mais informação, desenvolvemos o conhecimento e estratégias para reduzir a insegurança. Ainda assim, não eliminamos a incerteza nem o risco das coisas não acontecerem como gostaríamos.
O medo perante o desconhecido, é um mecanismo de defesa necessário para termos mais cautela e atenção. Por outro lado, este também pode levar-nos a adiar situações e decisões importantes, a evitar o que precisa de ser enfrentado, conduzir a comportamentos extremos e obsessivos, privando-nos de melhores oportunidades.
E porque é que reagimos assim?
No tempo dos nossos antepassados caçadores-recolectores, o nosso cérebro foi programado para associar a incerteza a fontes de ameaças vindas de predadores e inimigos. Reagimos instintivamente com stress e ansiedade, de forma a ficarmos mais vigilantes e cautelosos. Hoje a luta pela sobrevivência não é a mesma e não temos tigres dentes-de-sabre à espreita. Temos mais tempo de vida e maior segurança. Mas vivemos num mundo que é complexo e instável, com mudanças muito rápidas e imprevisíveis, em que somos constantemente confrontados com a nossa impotência. A evolução do nosso cérebro não acompanhou o ritmo das alterações civilizacionais, levando a erros de raciocínio que afetam a nossa vida. Para se sobreviver num ambiente de caçadores-recoletores, agir e reagir com rapidez era muito mais importante do que parar para reflectir (Rolf Dobelli). Assim, é frequente ficarmos mais facilmente preocupados com riscos menores (imigrantes, terrorismo, viajar de avião), subestimando os maiores que precisam de atenção (e que matam mais), tais como os acidentes de carro, diabetes, tabagismo, obesidade e outras doenças associadas aos estilo de vida moderno (David Ropeik).
Quando o medo governa a nossa vida e não temos ferramentas para questioná-lo, comprometemos a espontaneidade, a curiosidade e a abertura à experiência. Planeamos tudo sem espaço para a surpresa, que pode ser boa, e não aprendemos a lidar com o imprevisto. No medo de perder, tentamos controlar, em vão, a vida dos outros aumentando ainda mais o risco de afastamento. No medo de arriscar podemos desperdiçar potencialidades. Matamos assim a criatividade e a possibilidade de inovar, procurando proteção e estabilidade em rotinas rígidas e repetitivas e rodeando-nos das mesmas pessoas que pensam da mesma maneira que nós. Inseguros, compramos mais coisas para nos sentirmos mais seguros. Estes comportamentos podem ser observados, tanto ao nível do indivíduo como das empresas e sociedades.
Portanto, torna-se cada vez mais necessário ter ferramentas mentais para lidar com a falta de certezas. Das seguintes estratégias, escolha a que for mais adequada à situação que esteja a viver:
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Se para si o mundo é demasiado ameaçador, desenvolva um filtro crítico, não acredite em tudo o que lê e ouve nos media e nas redes sociais. Aprenda a pesquisar e apoiar-se em fontes mais credíveis e científicas para compreender melhor o que se passa à sua volta.
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Adote um diário e desenvolva o bom hábito da reflexão através da escrita. Não confunda sentimentos com factos.
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Cultive conversas com pessoas que conseguem escutar e o ajudam a pensar. Faça perguntas.
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Quando tiver pensamentos catastróficos e que tudo vai correr mal, liste e questione cada um. Qual a probabilidade daquele risco e tamanha gravidade se concretizar? Tem fundamento?
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Clarifique a decisão que envolve incerteza. Avalie as vantagens e desvantagens, o que ganha e o que perde. O que controla e não controla.
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Pense estrategicamente no pior cenário, no que pode correr mal. Crie um plano B e de emergência. Pergunte: “se tudo desabar o que permanece?” A sua saúde? O amor da família, de amigos? Um teto para abrigo? Pense na atitude que pode ter perante um fracasso, uma desilusão ou uma perda.
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Não tenha vergonha de dizer que não sabe ou de pedir ajuda. Concentre-se no que sabe, no que confia e no que pode controlar. Reflita sobre experiências passadas e como lidou com elas.
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Conheça os seus valores e as necessidades em causa que levaram a tomar essa decisão que envolve incertezas. “Há momentos em que só saberemos do que somos capazes quando a única opção é enfrentar”.
- Reduza as opções para pensar melhor e escolha uma de cada vez com base nas prioridades e valores.
- Não faça mudanças de grande impacto, todas ao mesmo tempo. Por exemplo, maternidade recente, divórcio, luto, tratamento e recuperação de uma doença desgastante. Precisa de manter alguns elementos estáveis enquanto vai gerindo a outra grande mudança.
- Permita-se errar e mudar de ideias. Ninguém sabe tudo e ninguém gosta nem cresce ao lado de pessoas que nunca se enganam e raramente têm dúvidas.
- Porque somos pequenos demais para carregar todas as causas e soluções, cultivar a fé, acreditar em algo superior a nós, acreditar sem ver alivia esse fardo. Procure consolo e reflexão na natureza e em espaços para cuidar da alma e nutrir o espírito.
Conclusão, a incerteza deixa-nos vulneráveis e mostra os limites do nosso controlo. Traz mal estar, mas evitá-la e negá-la trará sofrimento maior. Ela obriga-nos a reflectir sobre a fragilidade da nossa condição humana, a reconhecer as nossas limitações, a viver um dia de cada vez, a focarmo-nos no que está ao nosso alcance e distinguir o que podemos controlar do que não podemos controlar. Se tudo fosse previsível e garantido, que valor teriam a resiliência, a audácia, a coragem, a imaginação, a arte, a poesia, os afetos em tempos incertos? A incerteza é um convite para entrarmos num território escuro e desconhecido, onde habitam os medos da morte, do fracasso, da humilhação, da perda ou da rejeição. O mesmo território que nos eleva, desafia, inspira e nos mostra o valor da esperança e nos indica o caminho para outras oportunidades e possibilidades.
Fontes:
“How Risky Is It, Really? Why Our Fears Don’t Always Match the Facts” (David Ropeik)
“A Arte de Pensar com Clareza” (Rolf Dobelli)